16 de set. de 2009

A palavra no meu corpo

I – A TATUAGEM
Parte da palavra a centelha
Que cauteriza a carne do papel
Tatua fundo a face do poema
Prensa a tinta na brancura, indelével.

II – O PARTO
A caneta do poeta em desatino
Rasga o ventre prenhe da ideia
Aborta-lhe um garrancho prematuro
Que, declamado, não passa da traqueia.

III – O COITO
O devaneio encosta a língua
No pescoço da razão; apalpa-lhe o contorno,
Nela se insere, veste-a por inteiro,
E se apresenta, em poesia, qual adorno.

19 de ago. de 2009

O dia do meu corpo

A manhã vem e transita no meu corpo
como se fosse um gato que se esgueira,
todo lânguido e indecente e torto,
entre vários pés de cadeira.
A manhã é o meu horto.

A tarde, no meu corpo, tem o costume
de mostrar as esperanças desfeitas,
sonhos que a vida não trouxe a lume
e os amores que o peito estreita.
A tarde traz o azedume.

É na noite que meu corpo se situa
pós poente, cabeça, coração
a alma roça o dorso da lua
e enfim se explica tal paixão -
- é na noite que ela atua.

25 de jul. de 2009

A ilha (para Vitória)

Parece sempre estive aqui
E a espera sufocante de antes
Hoje soa redundante
Parece sonho acordado
Permeado de lembranças
Como quando a gente sonha
Que sonha
Que sonha
Na ânsia de encontrar o beijo no beijo
O riso no riso
O novo no novo
O possível no desconhecido
Eu quero a ilha e o continente
Quero você e quero toda gente
A noite, o dia e a vida.

24 de jul. de 2009

Quadra das águas

O leito do rio traveste
De passageira a água que vai
Mas a água sempre está lá
E ao mesmo tempo o rio reveste.

Quadra da paciência

A chave da paciência
É não ter expectativa
Não botar nos ombros da vida
O que não cabe na consciência.

Marta

Marta
Sentidas tardes quentes no meu barracão
Ao lembrar de você, me veio um som
um som que era mais, o seu a mais, sua razão

Marta
Que bonito era vê-la na roda a cantar
Quantos versos puxava, eu nem podia contar
Meu violão assustado encarava a cabrocha a me desafiar

E eu encarava o desafio assim

Quando caía no samba
Quem era eu pra impedir?
Deixava a morena sambar
Deixava o povo aplaudir

E quando arrefecia
O batucar dos pandeiros
Aí é que Marta era minha por inteiro.

13 de jul. de 2009

Fantasia do Samba

O samba, que não vai tirá-la da minha cabeça,
Certamente fará com que ao menos eu seja
Um pouquinho melhor que essa triste figura,
Sentada, parada, sem nada falar.

Quem nunca se vestiu com o samba não sabe o que perde;
A coragem se avulta, o receio adormece,
E eu vou descobrindo os atalhos que levam
Ao sorriso que só ela sabe me dar.

O samba sempre foi a melhor fantasia da alma.
Encarnado de samba a gente se arvora
A chegar onde nunca sonhou em chegar.

O samba me promete e me faz prometer tantas coisas...
Transformado de samba, a garganta é tão pouca
Pra dizer o que o peito não deixa calar.

12 de jul. de 2009

Notas do primeiro encontro

O riso depois do tempo
Dura mais e é mais intenso
Que o tempo que foi roubado
Do siso, lembrança-alento.

Os olhos do outro riso
brilham mais e são mais densos
que os olhos que se viam
no avesso do sentimento

Assim se descobre a chance
de amar completamente
como se fosse bem fácil,
Embora tão pouco frequente.

E nada importasse – somente
o riso de quem amasse.
e apenas valesse à gente
que o brilho dos olhos voltasse.

Ao Encontro

Quando tomo tua palma
Eu transbordo de sossego
Sinto muito menos medo
dos calos que marcam a alma
Sinto preguiça do tempo
e ansiedade na falta
vejo como eu não era
e como não sabia, pudera,
o jeito certo de te prender.
Fito-te, enfim, mudo, telepata,
Inundo teu colo de águas
e, vitorioso, deixo-me vencer.

15 de jun. de 2009

Microfuga

Aponta nota a nota
Prontamente desenvolve
Ponto a ponto
Contraface
Na fração do tempo
Pulso, pulso,
Frase, frase, frase.